Eram quatro da manhã e eu já estava me preparando para não sair da cama, mas o despertador tocou e, antes que isso me fizesse matar alguém naquele dia, resolvi levantar e jogar o despertador pela janela: - Foda-se essa merda - era o que eu dizia depois de jogar fora o terceiro despertador do mês e me arrepender amargamente. Dei uns tapas no rosto para tentar acordar, vi que minha cara estava mais maltratada que uma velha no asilo e resolvi então tentar sorrir, saiu meio amarelado mas já servia pro gasto. Comecei a tirar a pouca barba que eu tinha, mas eu sempre me cortava no início ou no final desse processo, o que me deixava puto até umas horas. Tomei um banho, passei um desodorante, coloquei meu uniforme do trabalho, um relógio que comprei no mercado por 1,99 e desci pra pegar o que sobrou da minha "máquina de raiva", como eu carinhosamente chamava o meu despertador. Percebi então que meu despertador tinha caído na cabeça de uma pessoa que passava pela calçada, o pedestre caiu no chão e estava desmaiado, aparentemente com um afundamento de crânio. Percebi que a inquilina, dona do prédio que eu moro, estava sendo entrevistada e foi a primeira pessoa a prestar socorro enquanto os outros viam aquela cena e só se preocupavam tirar fotos e gravar vídeos para seus perfis do Instagram, Facebook, Twitter. O título "O tempo voa" foi o mais acessado naquela manhã nos jornais, revistas, rádios e na própria internet, e eu apenas via tudo aquilo como um bando de animais estúpidos que só se preocupavam com eles mesmos mas, mesmo assim, entrei no meu Corsa 2002 e fui em direção ao meu trabalho na Ediotra Polanski. No caminho, resolvi escutar algo na rádio mas a notícia do relógio despertador não saida da boca do povo, em outra rádio os apresentadores agradeciam o governo pelo empenho em melhorar o estado e a meter pau no prefeito da cidade
- Mas que merdinhas escrotos! Babam nas bolas do governador só porque têm rabo preso com ele e ainda recebem dinheiro dele como putinhas... Mas quando é pra falar do prefeito vocês tiram as pregas dos seus cus para criarem culhões de falar merdas dele... aí depois são presos, morrem e não sabem o porquê - o relógio do rádio marcava seis horas
- Mas que porra! Como eu demorei duas horas pra sair? -
Foi aí que eu percebi que algo estava errado, coloquei as mãos no meu rosto e percebi que algo faltas, sim, faltava o meu olho direito, retomei a memória para as primeiras horas da manhã e me dei conta de não perceber várias coisas do meu quarto, não acreditei e olhei no espelho e percebi, estava caolho, onde antes havia um olho castanho claro só sobrou um buraco, comecei a ficar desesperado, parei o carro e pensei logo em ir ao médico. Comecei a olhar no celular o hospital mais próximo e avisei pra minha família. Ao chegar no hospital, vi que meu caso não era tão grave quanto os outros que estavam por lá, tinha uma criança com um dardo na cabeça, um caçador com a perna quase se soltando do resto do corpo, por causa de um ataque de urso, um traficante que estava algemado à sua maca que tomou três tiros mas continuava vivo e acordado e falando em delírio
- Mãe, eu prometo que vou te tirar dessa vida!
Então começava a chorar e gritar. A enfermeira chamou meu nome que poucas vezes eu já havia sido chamado, Rafael, e então eu cheguei ao consultório médico e ele me analisou da cabeça aos pés com um olhar pensativo e de dúvida:
- Infelizmente, Rafael, o seu olho diminuiu rapidamente a ponto de sumir e, meu jovem, essa não é a única coisa que pode desaparecer em seu corpo, mas suas pernas, braços e vários outros órgãos vão sumir.- disse o médico
- Mas não há nada que eu possa fazer para que isso pare? - perguntei
- Olha, você até pode procurar outros médicos, mas a sua situação dentro de duas semanas fará com que todos os seus órgãos diminuam e, eventualmente, você vai morrer. Desculpe eu não poder fazer nada, mas isso é o melhor que eu posso fazer.- respondeu com imenso pesar.
Resolvi então tentar procurar outros médicos mas a minha voz, no mesmo dia, já estava diminuindo e eventualmente iria sumir. Assustado com minha situação, fui até a minha família e com a pouca voz que me restara, disse o que antes não consegui dizer: disse o quanto amava meus pais, meus irmãos, meus amigos, meus filhos do meu primeiro casamento e até a minha ex-mulher que tanto me apoiou em momento importantes da minha vida, disse a importância de todos em cada momento que participou da minha existência e então minha voz sumiu. Logo, minha mão esquerda foi o próximo membro a se reduzir e aos poucos sumir no final da noite. Fiquei em meu antigo quarto na casa dos meus pais e fui alimentado por minha mãe. Passados sete dias, já tinha perdido os braços, a voz, a perna esquerda, pés, mãos, língua, e só vivia de alimentos líquidos, aprendi a escrever com o único pé que me restava e estou aqui, entristecido, por já ser meu último dia de vida, já não consigo mais enxergar, nem tocar e por isso eu te dou o adeus antes da minha presença se despedaçar, obrigado por ler a minha história.
Nenhum comentário:
Postar um comentário